sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Como nos tornamos mito (resenha)

Resenha


Como nos tornamos mito: a historicização da identidade gaúcha por Carla Renata Gomes


Acaba de ser publicada, na revista Estudos Íbero-Americanos, da PUCRS, uma resenha que fiz do livro de Carla Renata Gomes sobre o processo que levou à positivação e "gentilização" da palavra "gaúcho" no Rio Grande do Sul (dados abaixo). Recomendo veementemente o trabalho da historiadora. Segue o trecho inicial de meu texto e o ink para a publicação.


"Publicado em 2009, o livro De Rio-Grandense a Gaúcho: o triunfo do avesso, de Carla Renata Antunes de Souza Gomes, nos conduz, com maestria, pela história da construção simbólica do habitante “típico” do estado, através da ressemantização (e confluência) de seus dois principais adjetivos gentílicos, operada pela literatura local. Seu texto é exemplar das novas tendências de abordagem analítica da identidade regional, bastante recentes e que renderam ainda poucos frutos na oficina de Clio.

A profissionalização dos estudos históricos universitários no Rio Grande do Sul, a partir do final dos anos 1970, não se deu sem a desejada ruptura com a erudição diletante tradicional. Ao negar os pressupostos teóricos e métodos de pesquisa de seus antecessores, comprometidos com a exaltação do objeto “região”, ou melhor, com sua elaboração cívica e ufanista, historiadores e críticos literários, principalmente, dotaram os estudos sobre a “ideologia do gauchismo” de uma tônica denunciatória: o gaúcho de lenço atado ao pescoço, botas e bombachas, anacronismo social revivido arbitrariamente nos palcos dos Centros de Tradições Gaúchas, fora uma falácia elaborada no entresséculo XIX-XX para legitimar a hegemonia das elites rurais decadentes. As ligações entre a política e a produção cultural locais não podem ser negligenciadas, mas o foco estreito do exame e o viés de acusação acabaram por criar um lugar-comum muito difícil de transpor. Nesse ínterim, uma série de disputas intelectuais, projetos de memória conflitantes, usos e funções diversas do gaúcho mítico, se perderam. Foi necessária cerca de uma década para que surgissem interpretações mais atentas, como aquelas de Ieda Gutfreind, sobre a historiografia tradicional, e a produção antropológica de Ruben Oliven e Maria Eunice Maciel. Na História, todavia, os passos de Gutfreind, seguidos por ensaios de Sandra Pesavento, só foram acompanhados, e ultrapassados, na virada do milênio, a partir das pesquisas de Letícia Borges Nedel, sobre o folclorismo e a erudição polígrafa nas décadas de 1940-1950, e de Alexandre Lazzari, sobre a sociedade Partenon Literário e a invenção da nação no século XIX.

O texto de Gomes deve ser compreendido dentro desse esforço recente de leitura cuidadosa do gauchismo, em suas diversas variantes e modalidades discursivas, que construíram a ideia de um Rio Grande gaúcho por excelência. A crítica histórica, evidentemente, tem potencial libertador, à medida que desnaturaliza o objeto e questiona a fatalidade da geografia simbólica com a qual somos interpelados desde que nascemos. No entanto, o grande compromisso da autora é com o rigor analítico, amparado em um elaborado arcabouço conceitual, no levantamento diligente das fontes e no exame acurado dos documentos. Em suma, uma relação séria e responsável com questões de nossa história cultural já tantas vezes colocadas, mas em muitas simplificadas grosseiramente".


Leia mais aqui: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/iberoamericana/article/view/8103


Um comentário:

Dilso J. dos Santos disse...

Perfeito! Afinal, como poderia ser diferente, tu és o mestre dessa área!!!
O que posso dizer... É sentar, ler, apre(e)ender, sentir, fazer um pacto alterista com a musa da história, Clio e observar os fatos sendo aberto e (res)significados de forma lúcida e analítica. Como se, na releitura da obra delineada, naturalmente, pela autora, tu abrisse tudo à mesa e escolhesse os feijões mais saudáveis para serem semeados e os outros para serem consumidos e devolvido ao estômago do mito gentílico gauchesco, não para o engordar, mas para mantê-lo enquanto que a terra (Gea)prepara as outras para, quem sabe um dia, brotar...
Parabéns... e abraços!!!! Saudades!!!